O observador e o observado – dṛg dṛśya vivekah.

Este é um dos assuntos estudados em Vedānta em que irei abordar de forma simples neste texto.

Para entendermos o observador e o observado, vamos iniciar com algo que é conhecido por nós: nossos olhos e os objetos que os olhos vêem.

Eu vejo algo. E o que vejo é diferente dos meus olhos. Isso é um senso comum. Todos sabem disso. Neste exemplo, quem é o observador e quem é o observado? 

Os olhos são o observador e o observado é o objeto (formas e cores) que está sendo observado por mim. Muito simples e óbvio.

Mas, vamos pensar um pouco sobre isto. Os olhos e objetos são diferentes. Então, observador e o observado são diferentes. Obviamente eles são diferentes. Podemos ver claramente a diferença entre eles.

Mas aí você diz: ok professora, isso eu já sei! 

Mesmo sendo óbvio, vamos tirar mais alguns aprendizados sobre os olhos e objetos vistos pelos olhos, e aí continuaremos.

Então, vimos aqui que observador e observado são difetentes.

Os olhos são UM (mesmo sendo dois olhos, vamos pensar nos olhos como UM órgão da visão).

Os objetos que os olhos vêem são MUITOS: muitos objetos, muitas formas e cores. Todos vistos pelos mesmos olhos.

Qual é a lição aqui?

A primeira lição, é que observador e observado são diferentes. 

A segunda liçao é de que o observador é UM e as coisas observadas são MUITAS. 

A terceira lição é: as coisas observadas estão mudando constantemente: estava dia e ficou noite, a sala de aula estava vazia e ficou cheia… tudo muda o tempo todo. Mas os olhos são os mesmos e permanecem os mesmos. (o corpo muda e os olhos mudam, é fato, mas relativamente são os mesmos olhos olhando os objetos). O que é visto muda constantemente. O observado muda. O observador não muda.

Então três lições:

1. observador e observado são diferentes. 

2. observador é UM e os objetos são muitos. 

3. obervador permanece relativamente imutável e o que é observado muda continuamente.

Agora vamos aprofundar um pouco este entendimento, explorando este exemplo.

Iniciamos com: os olhos como observador e objetos como observado.

Agora, vamos mudar o foco: os olhos serão os observados e a mente é o observador. 

O que isto quer dizer?

Que eu não só vejo tudo com meus olhos, como também sei, através da minha mente, que meus olhos estão abertos por exemplo, que estou enxergando bem ou mal… As condições dos meus olhos podem ser observadas por mim.

Quem percebe isso? Não são os olhos! É a mente quem percebe. 

Agora então temos:

A mente como OBSERVADOR – aquilo que conhece algo.

Os olhos como OBSERVADOS – aquilo que é conhecido. 

Agora, vamos aplicar as 3 lições que aprendemos anteriormente:

1. Observador e observado são diferentes.

É verdade que sua mente é diferente dos olhos? Sim! É óbvio. O que quer que a mente seja, ela é diferente dos olhos. A mente é diferente dos olhos e de todos os outros órgãos dos sentidos.

2. A mente é UMA e conhece a variedade das condições dos órgãos dos sentidos e do corpo, que mudam sempre: eu enxergo bem, enxergo mal, ouço bem…

3. A mente é a mesma – relativamente – e os órgãos mudam. 

Agora vamos nos aprofundar mais ainda. Vamos ter a própria mente como sendo OBSERVADA.

Vamos pensar sobre isso: 

Nós não estamos conscientes de que ‘eu consigo entender o que aquela pessoa está dizendo’? Nós não estamos conscientes quando não entendemos algo? Não estou consciente de que quero, desejo algo? Quando estou feliz, não estou consciente de que estou feliz? Quando estou triste, não estou consciente de que estou triste? Quando me lembro de algo, não estou consciente de que estou lembrando? Ou quando esqueço, não estou consciente de que esqueci algo?

Então, todas as funções da mente são conhecidas por nós. O que quer que aconteça na mente, estamos conscientes disto.

A mente então é algo que é OBSERVADA. Algo que é conhecida. 

Por um instante, feche seus olhos e observe sua mente. Veja, você consegue ver sua mente. Existe um OBSERVADOR da mente. 

E quem é esse observador? Podemos chamá-lo de sākṣī, a TESTEMUNHA. É ela quem observa a mente.

Então a mente se torna OBSERVADA.

E existe um OBSERVADOR da mente ‘dentro de nós’. 

Para entendermos melhor, vamos aplicar as três lições que aprendemos anteriormente:

  1. Observador e observado são diferentes. Então a testemunha que observa a mente é diferente da mente. 
  2. Observador é um e objetos observados são muitos. Pensamentos, ideias, emoções… são muitos. Há um fluxo contínuo de pensamentos na mente. O observador é sempre o mesmo.
  3. A mente está mudando sempre (pensamentos diferentes). Mas a testemunha permanece inalterada. Ela apenas observa a mente.

Swami Sarvapriyananda conta uma história que nos ajuda a entender melhor este tema, sobre um empresário da Índia:

Um empresário na Índia com um problema, vai aos Himalayas procurar um swami. Aí o empresário diz:

– ó swami! Estou muito triste. Me ajude. 

E o swami diz: 

– você observa a tristeza? Sente ela? 

E o empresário responde: 

– claro que sim! Por isso vim até você.

E o swami diz:

se você conhece sua tristeza, consegue observar sua tristeza, você não é triste. Você é o conhecedor da tristeza na sua mente. Porque observador e observado são diferentes. A tristeza é um sentimento na sua mente. Se você está ciente dela, você é aquele que está ciente da sua tristeza na mente.

Aquilo que está ciente do medo não é o medroso. Aquilo que está ciente da tristeza não é triste.

O empresário vai embora e reflete sobre o ensinamento. Depois de um tempo, ele volta ao swami e diz:

– swami, você estava certo! Isso é muito profundo swami! Agora eu tenho paz! 

E o swami diz:

– Não! Você não está em paz. Você é o conhecedor da paz na sua mente! 

O empresário, ouvindo este ensinamento, refletiu sobre isso e se acalmou. E se você refletir sobre isso também, os problemas na sua mente vão se tornar um pouco menores. Você pode testar.

No momento que você cria um espaço entre os problemas na sua mente e o que você é realmente, o que acontece é que começamos a nos questionar se esses sentimentos pertencem mesmo a nós.

Eu percebo eles, mas eles pertencem a mim? Você já se questionou sobre isso? 

Se você fizer uma distinção entre você e a mente, acabará dizendo: 

‘ que eu não sou a mente, ok, faz sentido. Mas ela continua sendo a MINHA mente. Então, me importo se há tristeza ou raiva na mente. 

Mas, será que de fato a sua mente é SUA mente? 

Você vai dizer: claro! Que tipo de pergunta é essa? É claro que minha mente é MINHA mente! 

Então, vamos refletir sobre isso. 

Imagine que você compra um ticket de trem na Índia, o que é muito comum. Um rapaz senta na sua frente. Você conhece ele, seu nome, o que faz… você vê, conhece ele. Depois de algumas horas ele vai embora. Só porque você conheceu ele, permaneceu com ele algumas horas, isso não significa que ele pertença a você. Nunca pertenceu e nunca pertencerá.

Leve isso ao entendimento da mente. A mente é emprestada a nós para podermos fazer as ações nesta vida. Mas a mente não é o que eu sou e não pertence a mim. E digo isso porque um dia terei que deixar tanto o corpo quanto a mente. Eles são temporários. A nossa natureza, o que somos realmente é diferente do corpo e da mente: é o ĀTMA, o nosso verdadeiro EU.

Veja , a mente está sendo observada por você. No momento em que vejo que existe tristeza na minha mente, se eu digo: ‘estou triste’, estou me apegando à mente. Mas se sei que o que observo é diferente de mim, então eu observo a tristeza na minha mente. Se estou ciente dela, a infelicidade diminui um pouco. Aos poucos, repetindo esse ensinamento, você quase consegue controlar a tristeza. A mente consegue se tranquilizar um pouco. Mas, no momento em que digo que estou em paz, eu estou me apegando à mente novamente.

No exemplo do empresário indiano, se ele sente a paz ao estar com o swami, ao descer os Himalayas a paz desaparece novamente. Se ele se apega a paz, no momento em que a perde, diz: ‘nos Himalayas eu tinha tanta paz! Agora perdi a minha paz mental.

Veja, você é o conhecedor da paz e da falta da paz na sua mente. Você é o conhecedor da tristeza e da alegria em sua mente. 

Você é diferente das emoções. Você é o OBSERVADOR, bem diferente da sua mente. 

De fato, ser diferente da paz ou da falta da paz na mente é a verdadeira PAZ. 

Nós somos ATMA, aquele é a própria paz. Ele não tem paz, ele é a paz. 

Então, quer a mente esteja em paz ou não,

quer o corpo esteja em paz ou não, 

quer o mundo esteja em paz ou não, 

vocé é a PAZ. 

Essa paz, essa testemunha é VOCÊ.

Om Tat Sat. 

Texto de Juliana Campesi, inspirado nos ensinamentos do Swami Sarvapriyananda. 

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